Parceria
Cavalos-marinhos são peixes ósseos, com brânquias, nadadeiras e bexiga natatória. Mas são peixes bem diferentes, não são? Olhando para eles, percebemos que é um peixe que nada na vertical, assim, "em pé". A maioria dos peixes usa a nadadeira caudal como principal fonte de propulsão, mas os cavalos-marinhos usam a nadadeira dorsal, que se movimenta de forma ondulatória e permite que ele nade para frente. As nadadeiras peitorais, essas atrás da cabeça, que lembram orelhas, ajudam a estabilizar e direcionar seu caminho. Já sua cauda é bem modificada em relação à maioria dos peixes: no lugar de uma nadadeira caudal, ele tem uma cauda preênsil! Os cavalos-marinhos utilizam sua longa cauda para se prender ao substrato, enrolando-a em algas, corais, esponjas ou qualquer estrutura, o que é bem importante durante o descanso, a alimentação e a reprodução deles.
São peixes que pertencem à família Syngnathidae. A origem do nome vem do grego, em que "syn" quer dizer junto ou fusionado, e "gnathus", quer dizer mandíbula ou boca. Esse termo se refere aos peixes que têm um focinho tubular com a boca na ponta dele, ou seja, os cavalos-marinhos e seus parentes, como os peixes-cachimbo e dragões-do-mar.
Esse focinho funciona como um canudo, por onde eles se alimentam sugando pequenos animais. Os cavalos-marinhos são predadores de emboscada, usufruindo de sua habilidade de camuflagem para deixar que suas presas cheguem bem perto de seu focinho. Sim, cavalos-marinhos são carnívoros! E esse é um papel importante no equilíbrio do ecossistema: eles contribuem para o controle das populações de pequenos crustáceos, peixes, vermes marinhos dentre outras espécies. Podem comer praticamente qualquer animal que couber em sua boca, que são engolidos inteiros, já que eles não têm dentes.
Cavalo-marinho na Armação de Búzios, Rio de Janeiro.
Imagem: Natalie Freret-Meurer
Detalhe da cabeça do cavalo-marinho.
Imagem: Canva
Eles comem através de sucção e não têm dentes!
E também não tem estômago! O alimento passa por seu trato digestório e o que não for absorvido é eliminado como fezes. Infelizmente, nem tudo consegue ser eliminado: estudos recentes mostraram que se um organismo ingerido estiver contaminado com microplástico, o cavalo-marinho não consegue digerir esse resíduo e pode ficar obstruído, levando-o à morte.
Imagem: Natalie Freret-Meurer
CONHEÇA OS CAVALOS-MARINHOS
Alimentação do cavalo-marinho após experimento
Todos os cavalos-marinhos pertencem ao gênero Hippocampus, nome que também vem do grego - "hippos", cavalo e "campus", monstro marinho. Esse nome tem relação com a mitologia grega, em que os cavalos-marinhos eram animais que puxavam a carruagem de Poseidon, o Deus dos Mares.
São seres mitológicos, mas reais...
Ilustração do cavalo-marinho e Poseidon
Apesar de pequenas diferenças morfológicas entre as 46 espécies existentes, os cavalos-marinhos são facilmente distinguidos dos outros peixes, por possuírem um corpo verticalmente direcionado, formando um ângulo com a cabeça, um focinho tubular, uma longa cauda preênsil e um corpo como uma armadura, formada por seus anéis ósseos.
Algumas das características mais fascinantes dos cavalos-marinhos estão relacionadas à sua reprodução: os machos é que engravidam! Mas antes de acasalar, há um cortejo que pode demorar dias, em que eles mudam de cor um para o outro, sinalizando o interesse no namoro, entrelaçam suas caudas e nadam de maneira sincronizada, até que o macho começa a ter contrações, que vão fazendo com que a água do mar seja bombeada para dentro de sua bolsa incubadora. Essa bolsa fica na parte de baixo da barriga dele e é onde os filhotes se desenvolvem. E o que acontece enchendo a bolsa incubadora de água? Ela se dilata e fica pronta para receber os ovócitos da fêmea! Depois de dias de cortejo, a fêmea transfere seus ovócitos, grandes e ricos em nutrientes, para a bolsa incubadora do macho e lá dentro ocorre a fecundação pelos espermatozóides que ele produziu, bem menores e móveis. Ali dentro, os embriões crescem utilizando principalmente nutrientes fornecidos pela mãe, enquanto o pai fornece cálcio, oxigênio, controle de sais e o ambiente adequado ao desenvolvimento deles, que vai sendo alterado ao longo da gestação.
Imagem: Natalie Freret-Meurer
Cavalo-marinho macho grávido na Armação de Búzios, RJ
Filhotes nascidos no laboratório do projeto.
Foto: Natalie Freret-Meurer
Poucas semanas depois, os machos começam a ter contrações e nascem jovens cavalos-marinhos - podem ser mais de 1000 em uma só ninhada, dependendo da espécie! Com tamanho variável, da ordem de poucos milímetros, esses minis cavalos-marinhos são levados pelas correntes para longe dos pais, já sendo independentes para se alimentar e sobreviver. Após flutuarem por cerca de 15 dias, eles passam a buscar locais em que possam se agarrar com sua cauda preênsil, como corais, algas e esponjas marinhas.
Cavalos-marinhos são encontrados ao redor do mundo, geralmente nas regiões tropicais e temperadas, em águas rasas e ambientes costeiros. Podem ser encontrados em recifes de coral e rochosos, bancos de grama marinha e manguezais.
Mapa da diversidade genética de algumas espécies de cavalos-marinhos pelo mundo. Fonte: Li et al. (2021).
O maior número de espécies é encontrado do outro lado do mundo, na região do Indo-Pacifico, mas aqui no Brasil existem 3 espécies diferentes: Cavalo-marinho-do-focinho-longo (Hippocampus reidi), Cavalo-do-marinho-do-focinho-curto (Hippocampus erectus) e Cavalo-marinho patagônico (Hippocampus patagonicus). Dentre as três espécies, o cavalo-marinho-do-focinho-longo é a espécie mais comum, sendo registrada em todo o litoral brasileiro, incluindo a costa do Estado do Rio de Janeiro. Essa espécie se caracteriza pelo focinho mais comprido que as demais e pela ocorrência frequente em áreas bastante rasas (15 cm). O maior exemplar encontrado no Estado do Rio de Janeiro mediu 22 cm, contudo a média dos adultos em nosso litoral fica em torno de 14 cm. Existem registros do cavalo-marinho-do-focinho-curto no litoral fluminense, contudo é uma espécie menos comum e que ocorre em locais de profundidade maior que 15 metros. Já o cavalo-marinho patagônico é muito raro, pois são animais comuns na Argentina, os quais fazem migração para o norte durante períodos de inverno. O registro desses animais durante mergulhos na costa brasileira são raros, mas podem acontecer. Exemplo disso é o registro feito pela nossa equipe na Baía de Sepetiba, que pode ser lido em nosso artigo científico (aqui). Em geral, sua ocorrência é notada, quando capturados acidentalmente por barcos pesqueiros, como publicado pelo nosso projeto (aqui). Isso acontece, pois são animais que vivem em maiores profundidades, chegando a até 40 metros.
Espécies brasileiras
Imagem: Natalie Freret-Meurer
Cavalo-marinho-do-focinho-longo H. reidi
Imagem: Natalie Freret-Meurer
Cavalo-marinho patagônico H. patagonicus
Imagem: Jesse Bissette
Cavalo-marinho-do-focinho-curto H. erectus
Mesmo sabendo onde vivem, é um desafio observar cavalos-marinhos em seu ambiente natural, pois esses animais são mestres da camuflagem! Ao longo da evolução, muitas espécies desenvolveram padrões de coloração e manchas que dificultam sua localização no ambiente, e sua superfície pode ser colonizada por pequenos organismos como algas e briozoários, tornando-os mais parecidos com seu meio. Além disso, conseguem desenvolver prolongamentos na pele, imitando filamentos de algas e outros organismos em que se prendem. E são ainda capazes de mudar de cor em segundos! Assim, podem ficar mais parecidos com o ambiente ao redor. Devido a essa habilidade de camuflagem, somada a um corpo que é praticamente uma armadura, formada por seus anéis ósseos e espinhos e que tornam esses animais bem difíceis de digerir, poucos animais são predadores naturais dos cavalos-marinhos. Mas, eventualmente, são ingeridos por caranguejos, polvos e até aves marinhas. Sua principal ameaça, no entanto, é a espécie humana.
Imagem: Amanda Vaccani
Cavalo-marinho na Baía de Guanabara, RJ
Imagem: Natalie Freret-Meurer
Cavalo-marinho seco registrado em Key West, Florida, EUA
A maioria das espécies de cavalos-marinhos está listada como Vulnerável na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN's Red List of Threatened Species). Além da supressão de habitat, isto é, a destruição de seu ambiente natural, a pesca predatória com rede-de-arrasto é uma das principais ameaças. Os cavalos-marinhos são capturados como fauna acompanhante (capturados sem intenção) e vendidos secos para uso na medicina tradicional, principalmente na Ásia, ou para confecção de souvenirs e artesanatos, como esculturas, chaveiros e bijuterias. Eles também são capturados de forma intencional e vendidos vivos para o comércio de aquariofilia, em que muitos animais morrem por falta de
cuidado adequado, seja no percurso ou por manejo incorreto nos aquários. Outra prática bem comum no nordeste do Brasil é o turismo com foco no cavalo-marinho, em que os animais são retirados do ambiente, inseridos em potes para que os turistas possam contemplá-los e, por muitas vezes até tocá-lo, gerando um estresse intenso aos animais! Ainda pior, muitas pessoas tiram-nos da água para tê-los em suas mãos e fotografá-los. Esses animais não respiram fora da água, lugar de peixe é dentro d'água!
Frente a essas ameaças, todas as espécies de cavalos-marinhos foram incluídos no apêndice II da CITES (Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção) em 2002 e implementada em 2004. Essa convenção faz a gestão do comércio desses animais, garantindo que os indivíduos comercializados sejam provenientes de fontes legalizadas e as populações selvagens sejam sustentáveis. O Brasil é signatário da CITES e, atualmente, as Portarias 445/2014 e 148/2022 do Ministério do Meio Ambiente protegem as populações selvagens de cavalos-marinhos, sendo proibida a captura, transporte, armazenamento, guarda, manejo, beneficiamento e comercialização.
Cavalos-marinhos são animais com características únicas, mas por serem tão extraordinários estão ameaçados! Precisamos aprender a apreciar cada ser vivo em seu próprio ambiente, como são. Juntos, podemos reverter essa situação!
Imagem: Tatiane Fernandez
Cavalo-marinho na Baía de Guanabara, RJ
Recuse produtos ou serviços que explorem de forma predatória o ambiente marinho, que interfira na vida dos organismos em seu habitat, seja tocando, alimentando, retirando. Denuncie. E, se quiser conhecer esses animais incríveis bem de pertinho, venha nos visitar! Agende uma visita em nosso laboratório e conheça mais sobre os cavalos-marinhos, nossos projetos e esforços para a conservação desses animais e seu ambiente!